Homenagem à minha Avó
Hoje o dia tem sido complicado... não chorei tanto como do meu avô, parece que o sofrimento tem o dom de nos calejar a alma. Mas a noite foi mal dormida (com direito a uns pontapés do Gil, porque viemos tarde para casa e ele dormiu o primeiro sono em casa da tia e acabou por ficar connosco), entre sonhos estranhísimos e sobressaltos e logo de manhã uma dor de cabeça deu sinais de vir para ficar.
Levantei-me à hora de sempre, deixei o Gil na ama (que teve imensa pena de não poder ir ao funeral, se tivesse sido só pelo Gil, poderia ter ido, mas não podia por causa das outras crianças) e fui até casa dos meus pais. O meu pai vinha a sair para ir para a Igreja e eu fui até casa ter com a minha mãe, vim em seguida para casa.
Li as vossas mensagens as quais agradeço imenso.
Dei um jeito à casa e sai para ir fazer uns pagamentos importantes. Um deles dizia respeito ao pagamento dos honorários dos advogados, pois a boa notícia de ontem foi que ficámos ilibados no processo da casa. Não esperávamos outra coisa, mas depois da confirmação, as coisas são outras.
Era para voltar para casa, mas o meu coração estava apertado e ter de ficar sozinha até quase à hora do funeral estava a deixar-me doida. Fui até à Igreja e depois fui almoçar com a minha mãe, com o meu irmão e a minha outra avó, aquela que ainda me resta.
Fui novamente para a Igreja, assisti à missa e depois fomos para o cemitério. Tudo o resto vocês já sabem... aquilo que se sente nesta alturas só é compreensível por quem já passou pelo mesmo. A dor de perder alguém de quem se gosta é indizível.
A minha avó bem dizia, quando ficava danada connosco por algum motivo "Ainda haverás de chorar muito por mim!" e nós gozavamos com ela, diziamos-lhe que no próprio dia, nos haveríamos de nos vestir de vernelho, que depois dela morrer isso já nem importava. Ele ficava pior que estragada! E nós ríamos!
Ela também nos dizia vezes sem conta, que quando morresse queria levar padre, mas quantas e quantas vezes lhe terei respondido, que isso era hipocrisia? Que se ela não frequentava a Igreja em vida, para que queria ela um padre depois de morta? É claro que lhe dizia isto só para a chatear... Ela respondia sempre que deixava cá dinheiro para isso e nós contradiziamos, que sim, mas que se pagássemos ao padre, ficava menos para nós. E ríamos.
E recordo estes momentos com alegria, porque no fundo sabia que lhe diziamos isso mas que era apenas para a vermos arreliada, porque não passa pela nossa cabeça, não ter atendido a estes desejos. Ela queria um padre no funeral e levou-o, houve missa como foi seu o desejo.
Confesso que as missas e os padres não me dizem nada, mas fiquei feliz por o desejo dela ter sido consagrado. Se tivesse tido outro desejo, também teria sido ouvido. E não me vesti de vermelho, não. Estou vestida de negro. Não pelo luto em si, não só por respeito à sua alma, mas porque é assim que me sinto bem, porque sei que também que seria não tanto um desejo seu, mas uma convicção talvez retrógada, mas sobretudo porque espelha os sentimentos, que nutrimos pelos partem e por aqueles que tanto amámos.
Na verdade ainda não tinha deixado completamente o luto pelo meu avô, desde que ele morreu que as minhas vestes tem sido escuras, nem sempre pretas, mas escuras. Sempre disse que não iria vestir luto por eles, que isso não representava o que podia sentir por eles e continuo a concordar com isso, o luto não representa o que sentimos, mas não me perguntem porquê, neste momento só me sinto bem com estas vestes. Parece que os nossos sentimentos se sobrepõem a ideias racionais e alimentadas por nós durante anos, mas que nestas alturas deixam de ter qualquer sentido.
Ainda ontem falava com uma amiga ao telefone, que me ligou a dar-me os sentimentos e que é leitora deste blog e ela dizia-me que não ia ao velório nem ao funeral, porque aquilo lhe fazia confusão e quando batesse à porta dela, nem sabia muito bem como iria ser e eu disse-lhe que quando batesse à porta dela, ela iria, não por obrigação, mas porque ela própria ir-se-ia sentir mal, senão fosse.
Isto pelo menos foi o que aconteceu comigo, tanto em relação ao meu avô, como em relação à minha avó.
Apesar desta tragédia toda que se abateu sobre a minha família nos últimos três meses, eu acho que tenho muita sorte... tenho um filho lindo e saudável que é a luz dos meus olhos, tenho um marido que me apoia sempre que é preciso, a família do meu marido, também está sempre disponível para o que é necessário, tenho ainda os meus pais e espero que se conservem bem, por muito tempo, ainda me resta uma avó e tenho o meu irmão e respectiva família. É por todos eles que temos de continuar e aceitar o destino que nos foi ditado.
A minha avó era uma pessoa com o feitio muito especial, sabemos que muita gente não gostava dela e que era preciso conhece-la bem, para gostar dela, tinha alturas que não se podia aturar, mas quase no leito de morte, tornou-se uma pessoa mais dócil, mais calma, mais paciente. Já aqui mencionei que tive muita pena do meu avô, mas a minha avó era-me mais chegada, sinto muito mais a falta dela.
A minha avó apesar do seu feitio pontualmente irachível, era muito bondosa, ajudava-nos em tudo o que podia e sei que nos adorava (netos e bisnetos). A mim deixa-me muitas saudades e muitas lágrimas. Dela herdei algumas coisas em termos de persoanlidade, mas como tive outra educação, sou mais contida. Também irei herdar algumas coisas que ela disse tachativamente que seriam para mim, como até já comentei aqui, o seu anel de noivado, mais qualquer coisa em ouro e uns pratos pintados à mão com as estações do ano. Nunca lhes achei muita piada, mas já os reclamei por ser seu desejo que viessem para mim.
E isto faz-me pensar que a vida é muito engraçada, não os teria querido se me fossem dados por qualquer outra pessoa, mas como ela me disse sempre, que eles seriam para mim, herdá-los é uma honra. Racionalmente não tenho como explicar isto, sentimentalmente, faz todo o sentido que assim seja.
Tenho muita pena... lamento que ela tenha sofrido tanto e parte-me o coração que infelizmente tenha sido assim. Espero não ter de voltar a passar por algo semelhante, se temos de morrer que seja fulminante e indolor.
Venha o referendo da eutanásia e coloco um SIM sem qualquer dúvida ou restrição!
Minhas queridas, mais uma vez peço desculpa pelo conteúdo deste post, mas quis escreve-lo mesmo em cima do acontecimento, quis eternizá-lo (até um dia em que o blogger deixe de funcionar... sei lá... nada parece ser eterno), não quero perder estes sentimentos pela avó e avô. Quero sempre lembrar-me o quanto eles foram importantes para mim, no meu crescimento, na minha educação e na minha maneira de ser.
O meu Amor mais pequeno também faz hoje 27 Meses, mas depois escrevo sobre isso.
Obrigada pela vossa atenção, sobretudo a quem conseguiu ler o post todo.
9 comentários:
Coragem! É tudo o que te posso dizer. Estes últimos três meses têm mesmo sido terríveis. E apesar da dor, gostei de te ler. Fizeste-me pensar sobre as opiniões feitas e as coisas que dizemos vamos fazer, e depois quando somos verdadeiramente confrontados até parece que não nos reconhecemos.
Beijos
Sinto muito Lisa.
O teu filho esta lindo, um homezinho, parece que foi ontem que nasceu, o tempo passa..
Minha linda, este post prende! Claro que o li todo.
Faz o teu luto, exterior e interior. Foi muito sofrimento, precisas de o fazer. Ler este teu post fez-me ficar com os olhos cheios de lágrimas... Sente-se tanto a tua dor...
Um beijo grande e um abraço muito apertadinho.
Ps. Parabéns por mais um mesinho do teu lindo docinho
Lamento muito muito minha querida. Força.
Parabéns pelos 27 mesinhos do Gil
Um beijinhos muito grande
O Gil esta um homem ainda apouco esta a ler que ele tinha nascido e olha um homem como o tempo passa beijokas para voces:)
que grande que ele esta!!! os meus pêssames miga... jokas fofas
Os meu pêsames Lisa :((
Eu sei como te sentes pq como tu tb eu já perdi os meus 4 avós.
Muita força!!
jokitas
Olha amiga nem sei que te diga... Já perdi os meus 4 avós e sei bem o que se sente, mas como tu sabes, perdi o meu pai e isso sim, é qualquer coisa de surreal, parece que é um pesadelo que nunca mais acaba, desejo que passes por isso muito, mas muito tarde...
Quanto ao luto, ninguém te percebe melhor que eu, disse sempre que tudo isso era hipocrisia, que o luto estava cá dentro e que nunca poria luto por ninguém, no entanto quando o meu pai morreu andei 6 meses de luto carregado porque apenas não conseguia vestir outra cor... e foi o facto de me ter casado que me fez aliviar o luto e começar a ver a vida duma forma mais colorida, mesmo assim casei de preto e branco, a dor é demasiado profunda para se poder explicar.
Como sabes eu sou despassarada, agora mais do que nunca, e a tua avó foi a que eu conheci nos anos do Gil ou foi a mãe da tua mãe?
É a vida querida amiga, eu não sabia nada do que se tem estado a passar, como deves ter percebido eu não tenho vindo muito a blogues e quando venho é mais ou menos para por o meu em dia, e agora um bocadinho a taradice do das receitas.
Lamento o que sucedeu, vais dar a volta por cima, porque damos sempre... mas dói, dói muito eu sei...
Um beijinho grande.
Lamento muito, força!
Tens um prémio no meu blog.
Bjs
Enviar um comentário